Em sete anos de existência, busca pela democratização segue à todo vapor
O termo “herói sem capa” cai como uma luva para os jovens nerds criadores do projeto Gibiteca Balão, que desde 2014 — e de forma voluntária — fomenta e democratiza o acesso à cultura geek em um espaço de convivência em Itaquera, na zona leste de São Paulo. As atividades gratuitas aproximam o público local de lançamentos e estreias e incentivam a leitura. Há um acervo de mais de 7 mil quadrinhos e livros, além de jogos de tabuleiro e de cartas, exibição de filmes e séries, campeonatos e oficinas de criação, rodas de conversa e fóruns de discussão entre jovens. Na pandemia, a gibiteca tem movimentado as mídias sociais e oferecido eventos online e lives em sua página no Instagram.
A busca pela democratização da cultura geek na periferia segue a todo vapor, mas ao longo desses sete anos de existência muita barreira precisou ser quebrada. “Hoje, com a massificação da cultura nerd na indústria, as pessoas passaram a entender melhor e até a consumir produções geeks”, diz Letícia Ferreira, uma das fundadoras da gibiteca. “A cultura nerd ganhou exposição, mas a periferia continua vivendo à margem. O nerd periférico tem mais informação e conteúdo disponível, mas pouca oportunidade de consumir.”
A seguir, Letícia, de 31 anos, conta mais sobre a trajetória do espaço e sua importância na comunidade. Nascida e criada em Itaquera, ela é jornalista, produtora e ativista cultural e, claro, fã de cultura pop.
Quais foram as principais dificuldades para criar a Gibiteca Balão!?
Foi achar um local público para dispor nosso acervo de forma adequada e que compreendesse as necessidades do projeto, que atua de diversas maneiras. A gibiteca tem um viés social e educacional, então, além de funcionar como uma biblioteca comunitária, se relaciona com o espaço de forma a trabalhar o lúdico e o entretenimento para todos.
Quem é sua maior referência atualmente?
Tenho muitas de diferentes áreas. Hoje eu referencio Octavia Butler (1947-2006), uma autora superpremiada na literatura de ficção científica e que só foi traduzida no Brasil dez anos após sua morte. Como mulher negra na literatura, ela enfrentou inúmeras barreiras e preconceitos que atrasaram, mas não minaram, suas chances de ser reconhecida como escritora. Em suas obras ela deu visibilidade a protagonistas negras, fortes e inspiradoras.
Quais são principais barreiras econômicas que o nerd da periferia enfrenta?
Uma das maiores é a dos preços, que tornam os produtos geeks inacessíveis para classes menos favorecidas. Um quadrinho ou mangá de editora grande, por exemplo, custa entre 15 e 30 reais, e essas produções costumam ser seriadas. Então, para ler uma série completa de HQs, é preciso desembolsar, no mínimo, 150 reais. Um jogo de tabuleiro moderno pode custar entre 50 e 600 reais. Nem todos na periferia têm conta de streaming para ver um filme ou série. A pandemia expôs, inclusive, como o acesso à internet ainda é escasso na maioria das casas, o que dificultou a realização de aulas online no ensino público.
E as sociais?
A própria demografia da cidade é uma barreira social, já que a maior parte dos pontos de cultura privados e públicos estão localizados no centro expandido. Além de pouca representatividade e referência da população periférica nos quadrinhos, filmes, séries, jogos. Embora vejamos uma movimentação para inclusão de personagens e autores não brancos, mulheres e LGBTQIAP+, a população periférica ainda pouco se vê representada nesse universo – o que acaba afastando o público da cultura nerd.
A demografia da cidade é uma barreira social, já que a maior parte dos pontos de cultura privados e públicos estão no centro expandido
Fonte: Estadão Expresso, por Mariana Collini