Coletivos promovem cinema em comunidades da zona leste
Publicação: 01/11/2021

Por meio do audiovisual, coletivos trabalham representatividade e cultura

No bairro de Guaianases, extremo leste da cidade de São Paulo, vive o estudante de Comunicação Social Douglas Evangelista, de 22 anos. As opções de lazer e cultura na região são poucas e Douglas, ainda criança, pôde se aproximar do cinema em um projeto criado pelos próprios moradores, o Cine Campinho.

“Tinha 8 anos e até então nunca havia ido ao cinema. Ver aquela tela pela primeira vez foi algo muito impactante”, diz. E quando o Cine Campinho passou a oferecer oficinas audiovisuais, o estudante começou a participar mais e fez importantes descobertas. “Consegui descobrir minha área de formação, o que queria cursar, e entender um pouco mais desse ramo. Foi apaixonante. Conquistei uma série de coisas e sou muito grato ao coletivo.”

Na ausência de políticas públicas e de salas de cinema nas periferias, iniciativas independentes democratizam as exibições de filmes, promovem reflexões e aproximam moradores da linguagem audiovisual — o próprio Cine Campinho, por exemplo, desde 2007 oferece oficinas de produção, conhecimento e recursos para que a população construa a própria narrativa. “Cinema é uma linguagem burguesa. Os equipamentos e os próprios cursos são caros, fora a distância para estudar”, diz o sociólogo Pedro Oliveira, 36 anos, um dos idealizadores da iniciativa no bairro de Guaianases. Ele conta que o Campinho se apropriou de um campo de barro para atribuir ao local um novo sentido. “Queremos descentralizar para que mais gente possa usar essa ferramenta. Nós queríamos muito que o Cine Campinho pudesse fomentar discussões, que pudesse causar reflexões.”

O projeto conta com investimento dos próprios organizadores e editais públicos como o VAI (Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais), que oferece apoio financeiro a atividades artístico-culturais, principalmente de jovens de baixa renda e de regiões do município desprovidas de recursos e equipamentos culturais. No período da pandemia, há eventos online para debater cultura, periferia e políticas públicas.

Outra iniciativa — Filipe Barbosa, de 26 anos, é um dos idealizadores do Cine Social Club, uma iniciativa que também tem o investimento do VAI e, desde 2018, organiza eventos para debater raça, território, gênero e cultura por meio do cinema. A intenção é mostrar a potência da zona leste. “Quando pesquisamos o nome do bairro, aparece que a Cidade Tiradentes é perigosa, tem alto índice de mortes de Covid-19, a menor expectativa de vida”, diz Filipe. “São coisas que vemos e nos reduzem somente a esses números. Somos muito mais”, completa.

O Cine Social Club teve início na mobilização local e na Associação Cultural Kinoforum, que promove o desenvolvimento da linguagem e da produção cinematográfica, com destaque para o audiovisual brasileiro. O projeto também conta com o investimento do programa VAI.

Na pandemia, encontros, rodas de conversa e exibições online ajudam a manter os cuidados sanitários. Um dos debates ocorridos no último ano foi sobre o documentário Uma Cidade Chamada Tiradentes, de Lilian Solá. O filme retrata nascimento e desenvolvimento do bairro. Para Lilian, documentarista, a importância de projetos como Cine Social Club e Cine Campinho está em representar a periferia com outros olhares, que fujam do estereótipo. Ela cita sua própria produção como exemplo. “Tenho devolutivas de crianças, de adolescentes, que gostam muito de assistir nas escolas públicas da Cidade Tiradentes porque ele não fala da violência, sendo geralmente a forma como as pessoas são retratadas. A criminalização da periferia é sempre nesse recorte”, diz Lilian.

Política pública — A prefeitura de São Paulo informa que montou uma rede de 20 salas de cinema na intenção de democratizar o acesso ao cinema em bairros “não atendidos pelas salas comerciais”. É o Circuito SPCine. No Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, por exemplo, há um desses espaços, com capacidade para 130 pessoas. Por outro lado, ativistas e produtores culturais apontam que a quantidade ainda é pouca para o tamanho do bairro, que tem mais de 230 mil habitantes.

Fonte: Estadão Expresso, por Murillo Otavio

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