Educadora e poeta, Maria Vilani faz revolução no Grajaú
Publicação: 26/10/2021

Ela chegou do Ceará nos anos 1970 e ajudou a mudar o bairro

Eu acredito que o ser humano foi programado para o conhecimento. Se ele não busca o conhecimento, ele nega sua humanidade
Maria Vilani, escritora e educadora

O Grajaú, em São Paulo, já esteve condenado à condição de bairro-dormitório, mas a determinação de moradores, sobretudo mulheres e mães, fez surgir uma impressionante diversidade a partir da década de 1970. Hoje, esse bairro da zona sul da capital paulista concentra uma profusão de rodas de samba, saraus, companhias de teatro, oficinas de arte e coletivos culturais e de educação. A transformação em berço cultural se confunde com a história de uma moradora. É a educadora cearense Maria Vilani Cavalcante Gomes, de 71 anos, idealizadora do Café Filosófico do Grajaú.

“No final dos anos 70, havia o movimento de mulheres que fazia a articulação cultural e que passei a integrar em 1984”, conta Maria. Nessa época de retomada democrática, surgiam feiras culturais e de poesia que a escritora frequentava com entusiasmo. Em 1989, decidiu retomar os estudos e seguir na luta por espaços culturais no bairro. Formou-se no ensino médio, aliás, na mesma turma de um de seus cinco filhos, o músico Criolo. Virou professora.

A batalha por espaços de conhecimento e expressão no Grajaú se fortalecia. Em 1990, Maria Vilani criou o Centro de Artes e Promoção Social (Caps), dentro de sua própria casa, para promover a filosofia, o pensamento humanista e as artes em geral. A inspiração veio de uma feira de escritores independentes da região de Santo Amaro. “A gente não tinha espaço para cultura, mas tinha muita gente envolvida com cultura. Hoje estamos muito bem assistidos”, afirma.

Assim, Maria Vilani juntou a condução do Caps ao trabalho noturno de professora, às responsabilidades de casa e à criação dos cinco filhos, além das participações em eventos que ocorriam na avenida Paulista ou em Pinheiros, como a extensão do curso de filosofia clínica. “A distância entre Grajaú e Pinheiros era muito grande e eu não podia participar de todos os cafés filosóficos”, diz Maria, que em 2009 converteu a experiência em mais uma ação local e concreta: o primeiro Café Filosófico no Grajaú, idealizado por ela, ocorreu em abril daquele ano na antiga Casa de Cultura Palhaço Carequinha.

Agora o espaço tem o nome de Centro Cultural do Grajaú e recentemente recebeu um painel gigante com o rosto de Maria Vilani. O trabalho foi feito pelo artista plástico Mauro Neri, também do Grajaú. Para a professora, trata-se de uma homenagem a todas as mulheres e educadoras que lutam pela cultura no bairro. Nos últimos 12 anos, os encontros e desdobramentos do Café Filosófico da dona Maria Vilani resultaram em centenas de rodas de conversas, eventos culturais, cursos, oficinas e projetos que também são fonte de renda e ajudam a desenvolver a economia local.

MEMÓRIAS DO GRAJAÚ

A poeta, professora e filósofa cearense Maria Vilani veio do Ceará para São Paulo, no começo dos anos 70, com “uma trouxa de roupas e uma mala de livros”, sentindo “muita fome de conhecimento” e em busca de dias melhores. Foi assim que a escritora resumiu a chegada, durante um programa exibido pelo Canal Futura. Ela morou na zona leste e depois foi para o Grajaú, em 1975. “O ônibus da Viação Sete de Setembro só ia até uma parte do bairro. Quem morava mais afastado usava carroça, bicicleta ou ia a pé por ruas de terra”, diz a educadora. Havia muito mato e uma escola feita de lata. As opções públicas de cultura e lazer ficavam em Santo Amaro, a quase dez quilômetros de distância. “Como tinha muito barro, era costume ir com dois calçados. Um no pé e outro na bolsa ou sacola, para poder trocar”, conta. Os orelhões que abrigavam telefones públicos eram raros. “Uma rua tinha e outras oito não. Nas casas, só chegou telefone no final dos anos 80. E eram caros.”

Fonte: Estadão Expresso, por Juca Guimaraes

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